Pesquisadores da Embrapa Amazônia Oriental (PA) e da Universidade Federal do Pará (UFPA) descobriram propriedades cicatrizantes e anti-inflamatórias em um creme elaborado com própolis de abelhas sem ferrão nativas da região amazônica.
O produto foi desenvolvido a partir da própolis da espécie Scaptotrigona aff. postica, conhecida popularmente como abelha-canudo, e testado em animais de laboratório, apresentando desempenho semelhante ao de pomadas cicatrizantes comercializadas atualmente.
Própolis de abelhas sem ferrão

Além da eficiência na regeneração dos ferimentos, o creme se destacou por provocar menor reação inflamatória e favorecer uma cicatrização de melhor qualidade em relação ao produto de referência do mercado. O estudo reforça o potencial farmacêutico de um insumo natural historicamente utilizado por comunidades humanas.
A abelha-canudo é reconhecida por sua eficiência na polinização do açaizeiro e tem sido alvo de estudos nesse contexto. Segundo o professor da UFPA Nilton Muto, coautor do artigo, o estudo atual surgiu como desdobramento de uma pesquisa anterior sobre o comportamento dessa abelha nas flores do açaí.
A própolis é formada por uma mistura de resinas vegetais, pólens coletados no ambiente e cera produzida pelas próprias abelhas.
Embora a análise química não tenha identificado a origem exata dos compostos presentes na própolis estudada, os autores acreditam que o cultivo de açaí, onde as colmeias foram mantidas, contribuiu para uma composição química mais homogênea. A palmeira do açaí (Euterpe oleracea) é conhecida por conter altos níveis de compostos antioxidantes, como fenóis e antocianinas.
As análises indicaram elevada presença de substâncias bioativas na própolis das abelhas-canudo oriundas de áreas com cultivo de açaí.
Os compostos fenólicos superaram em mais de 20 vezes o valor mínimo exigido pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para classificação da qualidade da própolis, enquanto o teor de flavonoides ficou cerca de quatro vezes acima do padrão mínimo.
Aplicações e diferenciais da própolis

A utilização da própolis por seres humanos remonta à Antiguidade, sendo um produto versátil com aplicações nas áreas médica, farmacológica, cosmética e alimentar.
Para as abelhas, sua principal função é proteger a colmeia, vedando frestas e impedindo a proliferação de patógenos por meio de sua ação antimicrobiana. Quando um intruso morre dentro da colmeia e não pode ser removido, é envolto em própolis para evitar contaminação.
Diferente de outras espécies nativas como a uruçu-amarela e a uruçu-cinzenta, a abelha-canudo não utiliza barro na composição da sua própolis, o que resulta em um produto mais puro, livre de possíveis contaminantes do solo, conforme explica Daniel Santiago, pesquisador da Embrapa e também autor do estudo.
Estudos anteriores já haviam demonstrado que a abelha-canudo é uma polinizadora eficaz do açaizeiro, devido ao seu pequeno tamanho e à capacidade de visitar tanto flores masculinas quanto femininas. Com o avanço dos cultivos de açaí, produtores têm adotado a criação de abelhas sem ferrão para intensificar a polinização e, consequentemente, melhorar a produtividade.
Segundo Santiago, esse cenário favorece o desenvolvimento da meliponicultura, criação racional de abelhas sem ferrão, e estimula a busca por novos produtos derivados dessa atividade. Ele destaca que a abelha-canudo se diferencia das demais pelo elevado volume de própolis produzido, o que motivou a realização do estudo.
Durante o experimento, foram colocadas caixas com colmeias de abelhas-canudo em uma área cercada por aproximadamente 450 metros de plantação de açaí. A observação do alcance de voo das abelhas, que chegou a cerca de 300 metros, sugere que a vegetação local teve influência direta na composição da própolis coletada.